Texto de Estudo

Mateus 5:43-44:

43 Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. 44 Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;

 

INTRODUÇÃO

O Sermão da Montanha é o mais importante dos discursos de Cristo. É nele que nosso Senhor e Mestre apresenta ao mundo a natureza do seu reino, o qual não é desse mundo (João 18:36). É um reino de natureza diversa a este planeta pervertido pelo pecado. É um reino espiritual, e os que querem fazer parte dele devem ser espirituais. Portanto, seguir os ensinamentos que Jesus proferiu nesse sermão constitui uma necessidade obrigatória, não havendo opção para exceções. Por se tratar de orientações espirituais, as mesmas são difíceis de serem postas em prática por seres com natureza caída. Sendo assim, podemos concluir que só é possível viver conforme os preceitos de Cristo, se formos transformados pelo Espírito Santo em homens e mulheres espirituais. Somente assim poderemos ter nossa vida moldada à semelhança do próprio Salvador.

Nessa semana iremos analisar uma das mais famosas ordens de Jesus, em seu sermão: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (v. 44). É possível praticar atos tão contrários à nossa vontade pecaminosa? A resposta é sim. Muitos acham impossível amar o inimigo e orar por ele, mas o Senhor requer isso de todos os seus seguidores. Se quisermos ser filhos do Pai celeste, busquemos durante o estudo dessa semana colocar nosso orgulho de lado, nossos preconceitos, e busquemos conhecer mais sobre o maravilhoso mandamento do amor deixado por Jesus.

 

O PERIGO DA TRADIÇÃO

Depois que os judeus regressaram da Babilônia, os líderes religiosos se preocuparam em não permitir que os erros que os levaram ao cativeiro voltassem a se repetir. E uma das medidas tomadas para refrear a possibilidade de idolatria e transgressão da lei foi a criação de um grupo de estudiosos responsáveis pela interpretação da Lei de Moisés, os quais transmitiriam suas interpretações ao povo leigo. Essas atitudes tiveram um resultado positivo na época, visto que a maior parte do povo judeu nunca mais se envolveu com a idolatria. Mas isto acabou por criar a semente do que viria a ser a religião legalista dos dias de Jesus.

Com o passar dos anos, os intérpretes começaram a se preocupar não mais com o espírito da Lei, e sim com a letra fria. Suas intermináveis discussões sobre como deveria se dar a observância das leis mosaicas criaram uma lista de deveres que não tinha a ver com o que Deus havia ordenado. Essas tradições obscureceram a imagem de Deus entre os judeus, desde os mais comuns do povo até os mais sábios estudiosos da Lei, e todos foram escravizados pelos preceitos legalistas que eles mesmos haviam criados. Sem a essência da lei, que é o amor, as tradições rabínicas afastaram as pessoas de Deus, tornando-as meras cumpridoras de regras. 

Dentre as incontáveis regras criadas pelos rabinos havia uma que exigia o amor ao próximo, mas que dava liberdade para odiar àqueles considerados inimigos. Sendo assim, era possível odiar qualquer pessoa do povo, desde que essa pessoa não fosse considerada próxima. Em outras palavras, os judeus estavam livres para demonstrar seu amor apenas aos familiares e amigos mais chegados.

Essa interpretação rabínica suscitou um debate acalorado sobre quem seria o próximo, ou seja, quem deveria ser amado e quem poderia ser, eventualmente, odiado. Essa questão foi levada até o Senhor Jesus (Lucas 10:25-29). Os fariseus queriam saber sua opinião a respeito de quem seria o próximo, mas apenas com a intenção de pô-lo à prova, não de aprender com ele. Porém, o Senhor não deixou nenhuma margem para dúvida ao ensinar que o próximo é aquele que está diante de mim e que necessita de minha ajuda, independentemente de ser quem é (Lucas 10:30-37).

Via-de-regra, algumas tradições são criadas tendo como base as Sagradas Escrituras. E essa era uma delas. O mandamento: “Amarás o teu próximo” é encontrado em Levíticos 19:18 mas nenhuma parte do Antigo Testamento diz explicitamente: “E odiarás o teu inimigo”.  É bem verdade que há passagens que encorajam a hostilidade e a vingança, como, por exemplo, a ordem divina dada a Israel para que destruísse os cananeus que habitavam a terra prometida. E o fato de Deus ter ordenado o extermínio de algumas nações, para que Israel tomasse posse da herança, foi usado como argumento para a interpretação rabínica. Se os inimigos deveriam ser destruídos, então não deveriam ser amados. Antes, deveriam ser odiados. Por causa disso, os judeus consideravam todos os outros povos como inimigos e dignos de toda a sua aversão. Assim, o mandamento para amar o próximo seria entendido por um judeu como sendo para amar outro judeu. O fariseu possivelmente restringiria “próximo” a outro fariseu, tanto é que eles chamavam a si mesmos haberim, isto é, “próximos”. 

Como povo cristão, devemos tomar cuidado para não deixar que as tradições e as más interpretações bíblicas obscureçam nosso entendimento a respeito da Palavra de Deus. É muito fácil seguirmos costumes, principalmente aqueles que já estão consolidados pela igreja, e esquecermos o que significa: “Desejo misericórdia, não sacrifícios” (Mateus 9:13 NVI).

 

AMOR PELOS INIMIGOS

Jesus disse para aqueles que o escutavam: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (v. 44). Sem dúvida essas palavras causaram espanto e admiração. Era o contrário daquilo que até ali haviam aprendido de seus líderes religiosos. Atacava o orgulho humano, colocava por terra o egoísmo e devastava a ideia de superioridade racial. Esse mandamento era um fogo consumidor nas pretensões patrióticas da nação, pois teriam que amar inclusive os romanos!

Jesus não permitiu casuísmo. A verdadeira direção indicada pela lei é o amor abundante, custoso e estendido até mesmo aos inimigos. E uma manifestação do amor pelos inimigos seria a oração. Orar por um inimigo e amá-lo provariam reforço mútuo. Quanto mais ama, mais ora; quanto mais ora, mais ama. 

Assim, Jesus contestou aquela grosseira adição como distorção da lei, dizendo-lhes: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos” (v. 44). Nosso próximo, como ele mais tarde exemplificou tão claramente na parábola do bom samaritano (Lucas 10:29-37), não é neces¬sariamente um membro de nossa própria raça, classe social ou religião. Pode até nem ter qualquer ligação conosco. Nosso “próximo”, no vocabulário de Deus, inclui o nosso inimigo. O que o faz ser nosso próximo é simplesmente o fato de ser um ser humano em necessidade, da qual tenhamos tomado conhecimento, estando em nós a possi¬bilidade de aliviá-la de alguma forma. 

A ordem para amar a Deus e ao próximo não era nenhuma novidade para os judeus. Estava descrito nos ensinos de Moisés (Deuteronômio 6:5; Levíticos 19:18). Cristo disse que desses dois mandamentos dependiam toda a Lei e os Profetas (Mateus 22:40). Não é por acaso que o apóstolo Paulo diz que o cumprimento da lei vem pelo amor (Romanos 13:10). Mas esse mandamento é estranho para o homem carnal. O mundo nos ensina a odiar os que nos prejudicam, a explorar nosso semelhante, para alcançarmos benefícios pessoais. Ele diz que devemos passar por cima dos outros se quisermos ter poder e prestígio. Diz claramente que o caminho para o sucesso é perseguir, maltratar, impor-se como o mais importante, não perdoar, buscar levar vantagem em tudo. Mas Deus nos chama para sermos diferentes do mundo em que vivemos. Isso significa andar na contramão dos costumes da sociedade, o que não é nada fácil. Somente com o poder de Deus podemos avançar nessa direção. Sem esse poder nada nos diferenciará dos incrédulos.

 

AMOR SEM ACEPÇÃO

Os cristãos são considerados como filhos de Deus quando personificam o amor dele (v. 45). E Deus não faz acepção de pessoas. Para ele, todos os seres humanos são únicos, obras de suas mãos. O amor de Deus não discrimina, mas derrama-se sobre amigos e inimigos igualmente. Jesus disse que “ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (v. 45). O amor divino é indiscriminado, para com os bons e maus, indistintamente. É esse tipo de amor o Senhor requer de todos os seus filhos. E ele deseja que sigamos o seu exemplo. 

Deus derrama suas bênçãos sobre bons e maus. Ele traz a vida sobre os dignos e os indignos. Se aqueles que recebem seu favor vão lhe dar o devido reconhecimento, é outra questão. Assim também nós devemos tratar os que estão à nossa volta. Essa atitude vai fazer o mundo perceber que somos filhos do Pai Celeste.

Pois “se amardes os que vos amam, que recompensa tendes?” (v. 46). Qual seria o crédito? “Até os pecadores amam aos que os amam” (Lucas 6:32). Os homens decaídos não são incapazes de amar. Portanto, amar aqueles que consideramos dignos de receber nosso favor não nos torna filhos de Deus, pois até mesmo os ímpios agem dessa forma com relação aos que lhes favorecem. Praticam boa ação por interesse ou certo grau de gratidão egoísta. Devemos fazer o bem sem esperar nada em troca.

Muitas pessoas se dizem cristãs, mas não vemos nestas pessoas os frutos dessa profissão de fé. Já houve quem dissesse que se os cristãos colocassem em prática os ensinamentos do Sermão da Montanha, fariam com que o nosso planeta se tornasse uma antevisão do Céu! Imagine um mundo onde as pessoas, em vez de buscarem ser servidas, servissem; e também não procurassem somente seu próprio benefício, mas praticassem obras desinteressadas; um mundo onde todos pagassem o mal com o bem! É possível imaginar esse mundo aqui? Muito difícil. Mas se todos que se dizem cristãos praticassem esse tipo de amor, então seria esse o tipo de mundo que teríamos.

O amor é comum em nossas igrejas? Na igreja amamos a todos como Cristo ensina? Ou aqueles que são fracos na fé, que causam problemas, que são queixosos, que cometem pecados, que trazem tristeza ao corpo de Cristo são ignorados, abandonados e deixados à própria sorte? Infelizmente é mais fácil amar aqueles que se dedicam à causa do Senhor do que aqueles que muitas vezes nos decepcionam, nos entristecem ou não preenchem nossas expectativas. Mas Deus requer que amemos a esses também.

Mahatma Gandhi disse o seguinte: “Eu seria um cristão se não fosse pelos cristãos”. Este homem é admirado pelo mundo todo como aquele que enfrentou um império sem usar de violência. E esse mesmo homem sofreu na carne o preconceito e a falta de amor dos ingleses, que se diziam cristãos. Ele foi humilhado, preso e ameaçado de morte só porque buscava a igualdade entre os homens. Que tipo de cristianismo esses professos cristãos ensinaram a Gandhi, um hindu? Esses terão que prestar conta diante de Deus. E nós, no nosso dia a dia, agimos diferente deles ou praticamos os mesmos pecados de omissão e desprezo pelo nosso semelhante? Precisamos mostrar o fruto do cristianismo e isso vem por meio do amor incondicional àqueles que são aos nossos olhos desprezíveis, arrogantes e indignos.

Amar aqueles que nos amam, que fazem parte de nosso círculo de amizades ou da nossa família não serve como sinal de que fomos transformados à imagem de Deus. Cristo diz que até mesmo os publicanos e gentios fazem isso (vv. 46-47). A pergunta de Jesus foi: “O que estarão fazendo de mais?” (v. 47). Esta simples palavra, “mais”, é o ponto culminante do que ele estava dizendo. Não basta que os cristãos se pareçam com os não cristãos; nossa obrigação é ultrapassá-los em virtude. Nossa justiça tem de exceder a dos fariseus (v. 20), e o nosso amor deve ultrapassar, ou seja, ser mais do que o dos gentios (v. 47).

SER PERFEITO COMO DEUS

A forma como Jesus conclui essa parte do Sermão da Montanha é impressionante. Ele leva seus ouvintes a uma única solução possível para tudo o que lhes havia ensinado, dizendo-lhes: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (v. 48). Isto também estava em harmonia com a Lei: “Perfeito serás para com o Senhor, teu Deus” (Deuteronômio 18:13). Eis aqui uma exigência de Cristo que parece ser intransponível. Como é possível para um homem pecador ser perfeito como Deus?

Uma leitura rápida desse texto bíblico pode fazer alguém pensar que Jesus estava ensinando alguma forma de legalismo e orientando seus seguidores a obedecer à lei para ser perfeito diante de Deus. Nada poderia ser mais distante da realidade. A perfeição requerida por Jesus não é o legalismo dos fariseus, mas uma compreensão mais profunda e radical das intenções da Lei. Na verdade, essa exigência do Senhor nada mais é que uma conclusão do discurso anterior, onde Deus é apresentado como aquele que derrama suas bênçãos sobre bons e maus, justos e pecadores.

Se Jesus realmente estivesse orientando seus seguidores a serem perfeitos com base em algo que fosse possível ser feito pelo homem, seríamos as mais miseráveis das criaturas, pois levaríamos uma vida inteira tentando alcançar essa perfeição e nunca conseguiríamos.

O mode¬lo que Jesus coloca diante de nós como alternativa do mundo à nos¬sa volta é o Pai que está acima de nós. Considerando que ele é bondoso para com o mau e o bom, igualmente, seus filhos tam¬bém o devem ser.

O mundo vê a perfeição quando somos bons cumpridores de regras, leis e normas, fazemos tudo correto, tudo certo, sem erros. Entretanto, a ordem “sede vós perfeitos” deve se restringir à questão do amor neste contexto. Assim como o amor de Deus é completo, não omitindo nenhum grupo, assim o filho de Deus deve lutar pela maturidade nessa questão (cf. Efésios 5:1-2).

 

CONCLUSÃO

A perfeição de Deus está centrada no seu caráter, que é o amor. Isso faz com que ele mantenha um relacionamento muito próximo com a humanidade mesmo esta estando em pecado e rebelião. Sendo assim, o Senhor não espera menos do homem.

Jesus deixou bem claro que devemos demonstrar o amor de Deus aos outros. Amar os inimigos não é uma opção, mas uma condição. Quem diz ser de Cristo deve andar como ele andou (1 João 2:6). Ele nos deixou o exemplo. Quando diz que devemos amar e perdoar os inimigos, não está pedindo o que ele não fez. Quando o vemos na cruz em agonia lancinante rogando ao Pai: “Perdoa-os porque não sabem o que fazem”, nosso Salvador não deixa qualquer margem para dúvida sobre o que significa amar os que nos maltratam e bendizer os que nos maldizem. Concluímos então com as palavras de João: “Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1 João 3:18).