Texto de Estudo

{bilbia Êxodo 20:4}

 

INTRODUÇÃO

O conceito de idolatria está bem claro nas Escrituras. Todo e qualquer ato de culto  ou honra oferecida a uma divindade, que não seja o Senhor Deus, criador de todas as coisas, revelado em Jesus Cristo, e que hoje opera por ação do Espírito Santo, é idolatria. Portanto, caracteriza-se como pecado, ofensa a Deus. Nos Dez Mandamentos, encontramos muito mais do que uma condenação ao ato idolátrico. A Bíblia expandiu a questão e mostrou que, mesmo no culto prestado a Deus, que se revelou como único e verdadeiro, o adorador precisar se livrar das ideias errôneas que se tem a respeito dele. E isso pode ser intermediado pelas imagens de escultura. Deus proibiu, terminantemente, qualquer tipo de representação visual sua. Se o primeiro mandamento nega o politeísmo, o segundo proíbe a criação e a nutrição de uma adoração a Deus por meio de matéria-prima manufaturada pelo ser humano. O Senhor é claro ao dizer a forma como “não quer ser adorado”. 

Todavia, mesmo sabendo disso, por que o povo de Deus, no desenrolar do plano da redenção, tropeçou no segundo mandamento? Que mal haveria em construir um símbolo visual do Senhor? O restante desta lição procurará elucidar tais questões. 

 

PROIBIÇÃO À IDOLATRIA

Os dois termos hebraicos pessel e temunãh dizem respeito à falsa adoração. Da palavra pessel, "imagem", deriva o verbo pãssal, "esculpir, entalhar, lavrar" pedra ou madeira para construir (1 Reis 5:18), escrever (Êx 34:1,4; Deuteronômio 10:1-3) e esculpir imagem de divindades (Habacuque 2:18). A Septuaginta traduziu o termo por eidõlon, "ídolo" . 

O termo temunãh, "forma, aparência, figura, representação, semelhança", só aparece dez vezes no Antigo Testamento (Êx 20:4; Deuteronômio 4:12-15,16,23,25; 5:8; Números 12:8; Jó 4:16; Salmos 17:15). Cinco vezes aparece em conexão ou paralelamente a pessel e diz respeito à proibição do uso de imagens (Êx 20:4; Deuteronômio 4:16 23, 25; 5:8). Duas vezes é usada para esclarecer que os israelitas ouviram a voz de Deus que falava do meio do fogo no monte Sinai, mas eles só ouviram as palavras por ocasião da revelação do Sinai (Deuteronômio 4:12 15). Três vezes é empregada de maneira independente: Moisés era o único que via a temunat YHWH, a "semelhança de Javé" (Números 12:8, NKJ). Deus falava com ele como alguém fala a um amigo, face a face (Êx 33:11); Elifaz usa o termo para descrever uma revelação noturna (Jó 4:16) e, num paralelismo poético, a palavra é empregada de forma metafórica numa visão de Davi (Salmos 17:15). 

 

 

O EGITO E O POVO DE ISRAEL: CONTEXTO HISTÓRICO

Não será feito um rastreamento histórico para apontar as origens da confecção e da prestação de culto a imagens de divindades. Tal trabalho excederia em muito o intento desta lição. Contentemo-nos em tomar como ponto de partida a convivência que o povo de Israel teve com a cultura egípcia. A adoração que o Senhor Deus queria que Israel lhe prestasse no deserto funcionou como uma espécie de elemento de “fundação” ou “a constituição” de um povo que passaria a estar em aliança oficial e direta com o Deus que se revelou no Sinai. Deus afastou o povo do Egito para que o horizonte religioso de Israel ficasse límpido. Porém, sabemos que esse processo de reeducar a fé daquele povo não fora nada fácil! 

Em linhas gerais, a religião egípcia era o eixo que movia, ou o fator que dava sentido a toda a existência da sociedade. Um dos elementos fundamentais dessa religião era a pessoa do faraó. A sociedade estava num patamar bem abaixo. A hierarquia era assim concebida: os deuses, o faraó e o povo. O faraó estava entre os deuses e a sociedade, e sua função era a de mediador. Era a projeção dos próprios deuses na terra. Por isso, não nos devia soar estranho o fato de os faraós divinizarem-se. 

Na religião oficial, o culto baseava-se na reciprocidade. O culto prestado pelos sacerdotes, juntamente ao singular papel da pessoa do faraó, amarrava a fé do povo às imagens dos deuses a quem serviam. Era responsabilidade, principalmente dos sacerdotes, cuidar dessas imagens. Em troca, os deuses habitavam-nas e mostravam a sua predileção por ele e, assim, pela humanidade . O grande objetivo do culto era manter e realçar a ordem estabelecida do mundo . A seguir, temos duas representações de divindades egípcias :

A religião também ocorria além dos centros oficiais de culto, como os templos. O resultado era que o povo, sendo uma parcela maior da sociedade, exercia uma religiosidade que nem sempre seguia o modelo do culto oficial, mediada pelo faraó e pelos sacerdotes; e também não era algo novo, completamente desconectado da religião oficial. Vale dizer que o povo encontrava o “seu jeito” de lidar com a religião em seu dia a dia. No solo da religião popular, proliferava-se o uso de amuletos, incluindo decretos divinos salvaguardando os portadores, bustos de antepassados nas casas e numerosos objetos especiais.  De acordo com alguns textos de descobertas arqueológicas, foi possível encontrar referências de “curas mágicas para doenças, poções de amor, calendários de dias de sorte e de azar, afastamento de mau-olhado, adivinhação por meio de sonhos”.

Em resumo, o culto a imagens (pintadas e esculpidas) tinha lugar de destaque na cultura religiosa das antigas civilizações. E, como o Egito não era uma exceção, os hebreus acabaram sendo influenciados por tal contexto . Acostumados a “enxergar” as divindades, o povo recém-saído do Egito pediu a Arão para fazer deuses que fossem adiante deles (Êx 32:1). A função do bezerro de ouro era ‘representar’ o Senhor, que os tinha tirado do Egito (32:4).

Saltemos na História e comentemos um pouco sobre um contexto mais próximo de nós. 

 

OS ÍDOLOS DE ONTEM E DE HOJE

Os contextos nos quais os seres humanos viveram, desde a época de Adão até hoje, são os mais variados. A carga cultural religiosa produzida ao longo de tantos séculos coloca qualquer pessoa interessada em observar a História numa missão colossal. Hoje em dia, o que nos abre espaço para nos reencontramos com essa enorme produção cultural são os museus. Contudo, em meio a tanta variedade, os ídolos de ontem e de hoje continuam sendo entraves na relação de Deus com o ser humano. Os séculos encarregaram-se, como uma usina de especulações, de mostrar ao mundo tantas faces da divindade, nas mais variadas religiões, que não deve nos causar espanto ou estranheza o fato de o Senhor Todo-Poderoso ainda continuar “desconhecido”. 

Deus requeria uma forma específica para ser adorado. É ele, e não nós, quem determina a forma como quer ser adorado. Infelizmente, o homem persistiu na desobediência (Romanos 1 e 2). Não só os israelitas tropeçaram nesse mandamento , mas o Cristianismo também anuiu com a representação de imagens de escultura. Sob a alegação de estar apenas prestando uma “honra” – e, não, adoração -, os representantes da Igreja, pelos tempos de 787 d.C., escreviam aos devotos reforçando-lhes com explicações a importância de manter a reprodução de imagens. O documento subscrito a seguir é uma definição do Segundo Concílio de Nicéia (787) com relação às imagens e às figuras religiosas.   

“Caminhando como que por uma estrada real e seguindo a doutrina divinamente inspirada de nossos santos padres e a tradição da Igreja (porque sabemos que sua tradição é a do Espírito Santo que habita na Igreja), definimos, com todo o cuidado e exatidão, que as veneráveis e santas imagens são erigidas da mesma maneira que a figura da preciosa e vivificante cruz; imagens pintadas, feitas em mosaico ou de outro material conveniente, nas santas igrejas de Deus, sobre vasos e vestimentas sagradas, em paredes e quadros, em casas e ao lado das estradas; imagens do nosso Senhor e Deus e Salvador Jesus Cristo e de nossa imaculada Senhora, a santa Genitora de Deus, dos veneráveis anjos e todos os santos. Com efeito, quanto mais são contemplados por meio de tais representações, tanto mais os que os contemplam são incitados a refletir nos seus originais, a suspirar por eles e a tributar às imagens o tributo de uma saudação e a reverência da honra, sem tributar-lhes a verdadeira adoração que está de acordo com nossa fé e que é devida somente à natureza divina...”   (grifo nosso).

 

De acordo com o documento histórico, caro Leitor, pode-se perceber a sutil argumentação que abria espaço para as imagens ou figuras respeitadas da fé cristã. A diferença feita, ainda hoje, pelos líderes da igreja católica romana é a de que somente a Deus se adora, mas às imagens apenas se presta uma honra, isto é, uma reverência em menor grau do que àquela prestada a Deus. E como se determina a linha de separação entre uma e outra?! Ainda mais num ventre tão fértil como é o do catolicismo popular . Há indícios de que, por volta do terceiro século da era cristã, não havia imagens nas igrejas. Mas, com o decorrer do tempo, foram implementadas e, atualmente, estão bem sedimentadas no viés católico romano.  

Vale ressaltar que Deus não proibiu todo e qualquer tipo de representação artística. Os querubins da arca da aliança, por exemplo, foram confeccionados na época do tabernáculo móvel, segundo a ordem divina. Muitos cristãos pensam que Deus é avesso a toda e qualquer expressão artística, mas não é verdade. No entanto, admito que a questão continue complexa, porque o ser humano tem tendência de distorcer as situações. 

 

O PROBLEMA DA REPRODUÇÃO DE UMA IMAGEM

Ao atribuir certa honra a uma imagem ou figura, mesmo que seja considerado apenas um dispositivo para inspirar fé, a reprodução obscurece a glória de Deus. O Senhor revelou-se pessoalmente a Israel. Nosso conceito de “pessoalidade” está preso ao espaço e ao tempo, ao mundo físico. No entanto, somos informados pelas Escrituras de que Deus é espírito. Se a sua natureza é espiritual, por que razão, então, devemos materializá-la? A única representação concreta que Deus deu aos homens de si mesmo foi quando se revelou ao mundo na pessoa de Jesus. Foi exatamente isso que Jesus disse a Filipe: “Quem vê a mim vê ao Pai” (João 14:9). As imagens, além de ser uma representação pobre de Deus, têm potencial enorme de promover costumes errados na prática religiosa. O culto a Deus fica indireto e aberto a superstições. O autor Hans Ulrich Reifler elaborou uma lista comparativa pela qual vemos as principais diferenças entre uma imagem e o Deus vivo :

 

ImagemDeus vivo

Visível        Invisível

MutávelImutável

DestrutívelIndestrutível

DemonstrávelIndemonstrável

DefinívelIndefinível

DelévelIndelével

ComensurávelIncomensurável

ComparávelIncomparável

AbalávelInabalável

ImpessoalPessoal

ControlávelIncontrolável

InanimadaVivo

 

A frase "nem semelhança alguma do que há em cima no céu, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra" (Êx 20:4b; Deuteronômio 5:8b), à luz de Deuteronômio 4:12-15, proíbe adorar o próprio Deus verdadeiro por intermédio de qualquer objeto. A palavra hebraica para "semelhança" é temunah, "aparência, representação, manifestação, figura". Sua ideia básica é de aparência externa, ou seja, uma imagem vista numa visão (Números 12:8; Deuteronômio 4:1216-18; Jó 4:16; Salmos 17:15). Na opinião de João Calvino:

A verdadeira imagem [plena] de Deus não é [ou está] para ser encontrada em qualquer parte do mundo; consequentemente... sua glória é profanada, e sua verdade corrompida pela mentira, sempre que ele é apresentado aos nossos olhos de uma forma visível... Portanto, projetar qualquer imagem de Deus é em si mesmo ímpio; porque por essa corrupção a sua majestade fica adulterada, e ele é imaginado diferentemente do que ele é na realidade.  

Essa proibição inclui a representação de coisas materiais como homens e mulheres, pássaros, animais terrestres, peixes e corpos celestes (Deuteronômio 4:16-19).

Antes de encerrar este tópico, mais um aspecto precisa ser ressaltado. O ídolo não é algo que está apenas fora de nós. Em Ezequiel 14:1-5, o Senhor deixou claro que, mesmo que não haja representação material de um ídolo, ainda assim estamos suscetíveis a cair no laço da idolatria. O apego ao ídolo brota do coração, pois ele representa um meio para alcançar um fim. Até o próprio Senhor Deus pode se tornar um ídolo; basta que as pessoas pensem nele como um meio para se alcançar um fim. O coração é enganoso! Não estamos isentos de incorrer em insensatez, insensibilidade espiritual e desvirtuamento da verdade. Talvez essa seja a versão mais letal da idolatria - aquela em que a chama do coração das pessoas arde em uma esperança voltada para si mesma. As “esperanças substitutas” são perigosas, pois nos afastam de Deus. Sabendo disso é que o Senhor interveio a nosso favor. Revelando-se a nós, Deus evitou que ele mesmo fosse fruto de nossa imaginação. O maior tesouro do cristão não é a cidade celestial; e, sim, Jesus Cristo. Ele é nossa pedra preciosa. Ele não nos dá acesso ao precioso; ele é a preciosidade encarnada. 

 

O DEUS ZELOSO

O zelo de Deus consiste no fato de ser ele o único para Israel e não compartilhar o amor e a adoração com nenhuma divindade das nações. Esse direito de exclusividade era algo inusitado na época e único na história das religiões, pois os cultos pagãos antigos eram tolerantes em relação a outros deuses. O termo "zeloso" contém noções de paixão e intolerância; exprime a disposição do Senhor em abençoar Israel e fazê-lo prosperar, não aceitando um coração dividido.

A expressão "terceira e quarta geração" indica qualquer número ou plenitude e não se refere necessariamente à numeração matemática, pois se trata de máxima comum na literatura semítica (Amós 1:3 6, 11, 13; 2:1, 4, 6; Provérbios 30:15 18, 21, 29). O objetivo aqui é contrastar o castigo para a "terceira e quarta geração" com o propósito de Deus de abençoar a milhares de gerações. 

Os expositores da doutrina conhecida como maldição hereditária costumam usar de maneira isolada uma parte deste mandamento, "visito a maldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem", para fundamentar a sua teoria. Afirmam que, se alguém tem problemas com adultério, pornografia, divórcio, alcoolismo ou tendências suicidas é porque alguém de sua família, no passado, não importa se avós, bisavós ou tataravós, teve esse problema. Nesse caso, a pessoa afetada pela maldição hereditária deve, em primeiro lugar, descobrir em que geração seus ancestrais deram lugar ao diabo. Uma vez descoberta tal geração, pede-se perdão por ela, e, dessa forma, a maldição de família é desfeita. Uma espécie de perdão por procuração, muito parecido com o batismo pelos mortos, praticado pelos mórmons. 

Tal pensamento não se sustenta biblicamente; é um erro crasso. A maldição está sobre quem continuar no pecado dos pais, sobre "aqueles que me aborrecem", pontua com clareza o mandamento. Não é o que acontece com o cristão que ama a Deus. Se fomos alvejados pela graça de Deus ainda no tempo da nossa ignorância, quanto mais agora que somos reconciliados com ele? (Romanos 5:8-10). Quando alguém se converte a Cristo, torna- -se nova criatura: "as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Coríntios 5:17).

 

CONCLUSÃO

Mais claro do que Deus foi em Êxodo 20:4-6 é impossível. Por isso, também foi específico ao alertar que visitaria a iniquidade dos que lhe desobedecessem. A expressão “visitar” traz a ideia de acerto de contas. Pensemos nós, em termos de proporção, a quantas gerações o Senhor está disposto a demonstrar misericórdia. Não devemos ser literalistas na interpretação desse texto. Ou seja, não pensemos em termos cronológicos; analisemos que Deus trará sempre uma proporção maior de misericórdia do que de juízo. Ele tem prazer em abençoar, em fazer o bem. Nós também deveríamos ter prazer em obedecer. Obedeça hoje; retire todos os ídolos que há em seu coração.