Texto de Estudo

 Marcos 6:34

 

 INTRODUÇÃO

 

Estamos diante do maior Mestre de todos os tempos; ninguém o antecedeu, e não haverá outro que possa estar na mesma altura que Jesus ocupou em seu ministério terreno. Ninguém esteve mais bem preparado, e ninguém se mostrou mais idôneo para ensinar do que Jesus. No que tange às suas qualificações, bem como em outros aspectos, ele foi o Mestre ideal. Isso é visto tanto do ângulo divino quanto do humano. No sentido mais profundo, Jesus foi um mestre vindo da parte de Deus. 

Mas, como qualquer outro professor, enfrentou muitos obstáculos a fim de executar sua missão. Como bom judeu, estudou nas escolas de sua época; e, como Filho de Deus, formou a própria escola. Será que foi fácil? A resposta para tal pergunta delinear-se-á no estudo de hoje.

 

O CONTEXTO RELIGIOSO DO TEMPO DE JESUS

Jesus nasceu em um momento em que o cenário religioso da região apresentava-se bastante tumultuado. Havia uma religião consolidada entre o povo, na qual ele foi criado. Assim, recebeu a formação religiosa de seu tempo. Cumpriu todos os rituais e costumes de sua religião, mas se deparou com as seguintes situações: 

Uma religião dividida: O judaísmo, nos tempos de Jesus, era uma religião que havia se dividido em vários grupos. Embora sua essência fosse mantida, existiam contradições bem significativas entre os judeus. De forma resumida, pode-se dizer que existiam partidos religiosos dentro do judaísmo. A saber:

a) Os saduceus: Eram descendentes de Zadoque, sumo sacerdote do rei Davi. Composto pela elite leiga e a casta sacerdotal. Opunham-se à doutrina da ressurreição e à imortalidade da alma. 

b) Herodianos: Eram do partido do rei Herodes e, talvez, altos funcionários da casa. Mostravam-se conservadores e favoráveis à presença dos romanos. Perseguiam “agitadores políticos” na Galileia. Foram os responsáveis pelo assassinato de João Batista. Uniram-se aos fariseus e escribas para combater Jesus. (Marcos 3:6; 6:16-20; 12:13).

c) Fariseus: O termo fariseu quer dizer “separado”. Eles formavam o partido do povo, tendo grande influência junto a ele. Composto de trabalhadores rurais, artesãos e pequenos comerciantes, gostavam do dinheiro, embora afirmassem que a parte espiritual era mais importante. Nas sinagogas, apreciavam ocupar os primeiros lugares e, quando alguém não concordava com a doutrina deles, expulsavam. Valorizavam muito as coisas exteriores, visíveis (exemplo: a observância do sábado, do jejum, da esmola, a circuncisão, etc.). Eram rígidos em suas posições e oprimiam quem não seguisse seu fanatismo.

d) Zelotes: Esse partido revolucionário teve início no primeiro século, sob a influência de Judas de Gamala, o Galileu. Representavam a ala mais radical dos fariseus. Eram excluídos radicalmente desse movimento os que colaborassem com o Império Romano. Nacionalistas, os mais radicais entre os judeus. Eram chamados de zelotes, ladrões ou bandidos (criminosos políticos), sicários (terroristas), galileus (por atuarem na Galileia). Entre os discípulos de Jesus, havia zelotes, como Simão (Marcos 3 18).

e) Os Essênios: Sua origem é do século dois antes de Cristo. Separaram-se dos fariseus na época dos Macabeus. Os essênios conservaram vários escritos extrabíblicos. Assemelhavam-se a uma comunidade de monges, com disciplina rígida. Tinham bens em comum. E não usavam armas. Praticavam a pobreza, o celibato e a obediência a um superior. Estudavam as Escrituras e foram fiéis à Lei de Moisés. Não frequentavam o templo. Fervorosos, separam-se dos “maus”, dos impuros e dos pagãos. Sua espiritualidade era apocalíptica. Esperavam a intervenção dos “exércitos celestes” para a volta da teocracia (governo de acordo com a ordem religiosa). Foram destruídos pelos romanos, no ano 68 depois de Cristo. Talvez João Batista tenha pertencido a esse grupo pelas características de sua pregação. Eles também defendiam a conversão (Marcos 1:14-15).

Não vivemos dias muito diferentes. O Cristianismo parece ter se dividido em partidos políticos-religiosos, os quais chamamos de denominações religiosas. Convém lembrar que Jesus não era partidário; sua mensagem era sobre o Reino de Deus. Ele não deixou se levar por uma ideologia, e muito menos comprometeu sua missão. Amou a todos e, em nome desse amor, entregou-se por todos. Combateu, sim, a hipocrisia religiosa, alertando para os perigos. Sua liderança foi pautada no serviço ao próximo; e, não, em ser servido.  

Uma religião ineficiente: Além das divisões e do partidarismo, a religiosidade que Jesus enfrentou em nada atendia aos anseios da nação. A religião equivocada dos judeus distanciara Deus das pessoas. Eles haviam criado regras que dificultavam a observância da Lei e formaram um sistema perverso que afastava pessoas. As tradições rabínicas tinham sido colocadas acima das Escrituras (Marcos 7:5-13). Assim, desenvolveu uma religiosidade fria e de aparência, sem vida em si mesma, incapaz de trazer algum alívio e alento aos corações aflitos e desesperançados. 

Uma religião corrompida: Por questões que lhes fugia ao controle, o fato é que a religião judaica da época de Jesus fora corrompida pelo Império Romano. O sumo sacerdote Caifás, por exemplo, foi nomeado por Cezar. Esse ofício tornara-se extremamente instável, porquanto eram nomeados e substituídos sumos sacerdotes ao sabor do capricho das autoridades romanas. É claro que a corrupção religiosa não era resultado apenas da opressão romana. Os líderes religiosos, embora pregassem a proximidade com Deus, estavam tão distantes que não percebiam que sua religião era vã. (Mateus 15:8-9)

Um misto de religião: Jesus deparou-se também com as variadas representações religiosas. Além de confrontar a religião oficial, ele viveu em meio ao pluralismo religioso e supersticioso. Existiam as correntes filosóficas gregas (com sua compreensão do mundo) e também os samaritanos (que não apenas eram separados geográfica, cultural e etnicamente, mas tinham o próprio sistema de crenças e seu local de adoração).

 Esse cenário foi o ambiente religioso em que Jesus atuou. Foi nesse terreno, com dificuldades extremas, que ele plantou sua Igreja com a garantia de que o inferno não prevaleceria contra ela. (Mateus 16:18

 

DIFERENÇA ENTRE O ENSINO DE JESUS 

E O DOS RABINOS DE SUA ÉPOCA

Jesus destaca-se, nas páginas do Novo Testamento, como um exímio Mestre; é reconhecido como “mestre vindo de Deus”. Aliás, ele mesmo intitula-se “Senhor e Mestre” (João 13:13). Sua fama não vinha somente pelo fato de fazer milagres, mas também porque ensinava com autoridade. Logo, ele foi, sim, um Mestre entre o povo. Vejamos algumas diferenças entre seu ensino e o dos rabinos daquele tempo. 

Autoridade: “Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade; e, não, como os escribas” (Mateus 7:28-29). Jesus ensinava de uma maneira diferente dos rabinos; não apenas na forma, mas também no conteúdo. Sua autoridade era diferente da dos mestres da Lei. Muitos destes limitavam os ensinamentos às autoridades que mencionavam, e grande parte do treinamento era centrada na memorização das tradições recebidas. Eles falavam por meio da autoridade de outros. Jesus falava com sua autoridade. Ele não foi um profeta comum que dizia ‘assim diz o senhor’! Antes, falava na primeira pessoa (“eu digo”) e afirmava que seu ensinamento cumpria o Antigo Testamento; que ele determinava quem entraria no reino messiânico; que, como Juiz Divino, decretaria banimento; que os verdadeiros herdeiros do reino seriam perseguidos por causa da submissão a ele; e que só ele conhecia plenamente a vontade do Pai  . 

  A sabedoria dos rabinos era matéria aprendida e fazia parte de um processo de treinamento, mas o ensino e a sabedoria de Jesus vinham de dentro e não precisavam de escoras ou de confirmação . 

Seu ensino não era apenas discurso: Além de sua autoridade ímpar, Jesus transmitia muito mais do que discurso. Ele não se limitava a ser apenas um orador que dominava a arte de ensinar. Seus discípulos puderam perceber que suas palavras traziam vida (Jo  6:68). Ele também afirmou que sua Palavra produzia santificação e libertação (João 8:3) e que estava intimamente ligada ao “crer” para “receber” a vida eterna. Assim, o que Jesus dizia não era um discurso bonito com ideologia inovadora para criar expectativas e manipular a mente das pessoas; ele foi (e é) um Mestre diferente, pois tem sua autoridade baseada em si mesmo.    

Valorizava mais as pessoas que as regras: As autoridades religiosas centravam seu ensino nas normas, eram zelosas ao extremo e não se compadeciam das dores e dos anseios dos outros. Era mais importante apedrejar uma mulher do que oferecer misericórdia (João 8:1-11). Era mais correto, aos seus olhos, despedir um enfermo que lhe ministrar qualquer benefício no dia de sábado. 

Jesus inverteu essa ordem ao curar, no dia de sábado, um homem das mãos secas, um cego de nascença e permitir que os discípulos colhessem espigas no sábado (Lucas 6:6-11; João 9:14; Mateus 12:1). Também quebrou outras regras dos antepassados, como comer sem lavar as mãos, tocar em um morto, ter comunhão com publicanos, pecadores, prostitutas e falar com uma mulher samaritana em público. No mais, ele não se prendeu a nada, tampouco comprometeu seu ensino com mais nada, além da fidelidade ao Pai e às necessidades de seus ouvintes. Por isso, ensinava-os sempre e onde quer que estivessem. Ensinava em qualquer lugar e a toda hora - no templo, nas sinagogas, no monte, nas praias, na estrada, junto ao poço, nas casas, em reuniões sociais, em público e em particular. 

Nesses e em outros aspectos, Jesus foi um Mestre diferente dos demais. Os da Lei eram os oficiais do ensino, assentavam-se na cadeira de Moisés e dependiam da autoridade que esta lhes conferia. Recorriam à autoridade de outros para legitimarem seu ensino. Todavia, Jesus demonstrava uma autoridade que vinha dele mesmo. Seu local de ensino poderia ser qualquer um; o público poderia ser desde um doutor da lei a uma simples mulher de Samaria. Ele entendia que o ser humano tem seu valor, acima das regras humanas. Assim, para Jesus, as Escrituras eram superiores às tradições, e seu ensino vinha com autoridade, pois falava de si mesmo. Sua mensagem e seu conteúdo eram inseparáveis de sua pessoa. Como Deus, era a fonte de toda a verdade; e, como homem, havia encarnado a verdade, fazendo dela parte de si mesmo. 

 

SEU ENSINO E NOSSO TEMPO

É certo que nenhum outro líder influenciou com seu ensino mais do que Jesus. Sua influência não ocorreu apenas pela quantidade de seguidores, mas, sobretudo pela qualidade de seus valores. Em resumo, podemos listar alguns resultados desse ensino: 

A valorização e elevação da pessoa humana: Antes de Jesus vir, certos grupos nada valiam e nada representavam. Não eram considerados como pessoas. Os escribas, os fariseus e os saduceus tratavam com desprezo os publicanos e os pecadores. Os gentios eram tidos como estranhos e pagãos, indignos das bênçãos divinas. Os judeus não queriam nem conversar com os samaritanos! As mulheres eram escravas dos homens; costumava-se, em certas nações, dar filhas em casamento sem o consentimento delas. Os filhos quase não tinham direito nenhum, e as crianças fracas no físico, notadamente do sexo feminino, em certas ocasiões, eram abandonadas nos campos desertos para serem devoradas por feras. Certos grupos sociais eram tidos por gente inferior. 

Jesus reconheceu e enfatizou o valor do homem, como nenhum outro mestre o fizera. Seus ensinos colocaram a mulher no mesmo patamar do homem e desencadearam as influências que resultaram no direito de voto e em cargos públicos para as mulheres, bem como no direito de participarem de cargos eclesiásticos e denominacionais. Jesus colocou a criança no meio das pessoas, como exemplo de humildade. Assim, em primeiro lugar, estavam as pessoas; e, não, as coisas  . 

Transformação de vidas: A regeneração era o próprio cerne de sua tarefa. A libertação e a transformação de almas eram pontos capitais da obra de Jesus. Pedro foi transformado, e seu caráter impulsivo e instável foi modificado radicalmente, transformando-o em uma pessoa firme, corajosa e confiante no Mestre. João, jovem impaciente e impulsivo, tornou-se um ancião amado e cheio de amor. Zaqueu, o cobrador de impostos, transformou-se no primeiro filantropo cristão, doando metade de seus bens e restituindo quatro vezes mais o que houvera cobrado ilegalmente. Ao longo dos séculos, nota-se essa corrente viva e contínua de discípulos transformados, que continuam a moldar o destino do mundo. Essas vidas provam o poder transformador da presença e habitação de Cristo . 

Influência nas Artes: Jesus deixou nas artes também uma impressão indelével e universal, notadamente no campo da música. Soldados destacados em lugares e ilhas distantes só podem entrar em contato com tribos selvagens por meio da letra e da música de hinos cristãos. De forma semelhante, as obras-primas dos maiores pintores foram inspiradas na vida de Jesus. Isso é verdade, notadamente no que se refere a Tissot, Rafael e Rembrandt, tendo o primeiro passado a maior parte de sua vida pintando cenas da biografia do Mestre. A influência de Jesus na arquitetura não é menos notável; em especial, no se relaciona a catedrais .

Inspiração da filantropia: Por toda a parte, Jesus inspirou homens e mulheres a empregarem a riqueza para sua glória. Hospitais e casas de saúde, orfanatos e asilos, colégios e universidades cristãs brotaram do espírito filantrópico gerado pelo Mestre. O altruísmo visto nos empreendimentos governamentais em prol do bem-estar e da segurança social deve-se ao ensino de Jesus, sempre pregando que devemos amar nossos irmãos como a nós mesmos. 

 

O AMBIENTE DE ENSINO E O MATERIAL DIDÁTICO

Enquanto as escolas rabínicas e os centros filosóficos do tempo de Jesus contavam com excelentes estruturas físicas e com materiais didáticos à disposição, o Mestre não tinha nem onde dormir! (Mateus 8:20) Como poderia, com tão poucos recursos, treinar 12 homens para serem seus discípulos? 

Jesus não ficou preocupado com as carências, mas deu atenção aos recursos que estavam à sua disposição. E o maior que possuía era a sua vida. Então, ele doou de si e usou as ferramentas que estavam a seu dispor. Embora não contasse com uma sala de aula, havia alunos, e eles precisavam ser ensinados. Por isso, “Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte; e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los” (Mateus 5:1). 

Os recursos visuais eram escassos para aquele “pobre Mestre”. Então, ele fazia da imaginação das pessoas seu “quadro negro”, o “projetor de slides”. Os alunos visualizavam na mente a imagem dos dois caminhos ilustrados por Jesus (Lucas 13:24); das duas casas, uma construída na rocha e outra, na areia (Mateus 7:24-27); da cidade edificada sobre um monte (Mateus 5:14); do semeador que saiu a semear (Marcos 4:2-8)... Enfim, tantas outras ilustrações. Jesus não possuía um púlpito para ensinar, mas tinha à disposição um barquinho (Lucas 5:3), um lugar à mesa (Lucas 7:36; João 12:1-2), um espaço entre a relva (Mateus 5:1). Tampouco existiam salas-ambientes para momentos de oração com os alunos; e o relento e o frio da noite eram o aconchego nesses momentos. (Mateus 26:36-38; Marcos 1:35)  

A teoria de seus ensinos nunca estava separada da prática; por isso, os alunos fixavam o aprendizado. Em um só episódio, Jesus ensinou aos discípulos lições sobre trabalho em grupo, organização e economia (João 6:5-13). Na sua escola, não havia tempo para “recreio” (João 5:17; 9:4-5); o ensino era em tempo integral. Mesmo sem possuir uma estrutura física, desprovido de recursos visuais de alto padrão, ele conseguiu formar um grupo de indoutos e inábeis homens e transformou-os em mestres.

Que desculpa a Igreja poderá dar, diante do que acabamos de analisar? Nenhuma igreja é tão pobre que não tenha um recurso para investir no discipulado. Não podemos esquecer que o maior recurso que Jesus investiu no discipulado foi a sua vida. Não podemos ficar olhando para o que não temos; está na hora de olharmos para o que possuímos e utilizar tais recursos em prol do discipulado. 

 

CONCLUSÃO

O que estudamos até aqui, com certeza, não esgota o tema. Mas é suficiente para compreendermos que a tarefa de Jesus não foi fácil. Ele enfrentou um sistema religioso inteiro; teve de lidar com a falta de recursos materiais e precisou investir bastante tempo com seus 12 alunos. Todavia, em meio a tantas dificuldades, o Mestre conseguiu concluir seu objetivo: formar a primeira turma da primeira escola de discipulado cristão. 

A missão continua. Cada um de nós é responsável por abrir novas turmas, inaugurar outras escolas, doar nossas vidas ao ensino e ao aprendizado. Não pensemos que a estrutura física é o principal para iniciar o discipulado em nossas igrejas. Do que adianta estarmos estruturados fisicamente, se não há mestres para ensinar e alunos para aprender?